Autoestima. É disso que
fala este texto. Não simplesmente em nível pessoal, mas em âmbito de sociedade,
de povo, do povo brasileiro.
Somos um povo complexo,
permeado por miscigenações culturais acima das genéticas. Somos na verdade
vários povos em um, que desenvolveram ritos, hábitos, comportamentos e visões
que nos conduzem por caminhos destoantes, mas que nos trouxeram até aqui e nos
levarão além.
A razão deste texto é
trabalhar um efeito colateral de nossa intrincada e complexa formação social, a
“síndrome de vira-lata”. Aqui parafraseando o grande Nelson Rodrigues e seu
complexo, direcionado ao campo futebolístico.
Vou bastante além da referência, e trago nosso debate para um viés onde
nos veremos, nós, povo brasileiro, como os cães vira-latas, que almejam e se
regozijam com nada mais do que comida, abrigo e afagos.
Para consubstanciar
este texto me obrigo a mencionar nosso cenário político atual. Vivemos há 10
anos sob uma estrela que ascendeu aos céus do poder atuando de forma objetivamente
emocional nas carências sociais. Ignorando uma herança positiva, e não digo
isso por apreço partidário, o governo “pseudo-trabalhador, que nos direciona
jazem dois mandatos e meio, atua de forma evidenciada com medidas que ressaltam
nossa já citada síndrome.
Mantendo o foco no
assistencialismo, dando comida e abrigo aos necessitados, afagando as cabeças
eleitoras com artifícios midiáticos e festivos, e cooptando ou eliminando
possíveis focos de oposição, nossos governantes tem feito sua parte para manter
seu plano de poder - o qual só prevalece enquanto sua base for calcada na
subserviência intelectual e eleitoral. Se, por alguns minutos, nossos olhos se
descortinarem e superarem a névoa artificial que circula as “divindades”
presidenciais e ex-presidenciais veremos que nossa situação é periclitante.
Como bons vira-latas,
vivemos no aguardo dos planos miraculosos que nos alimentarão, das bolsas e
projetos que nos manterão à sombra do autodesenvolvimento e da conquista da
ascensão. Pois todo projeto que nos é posto é, de fato, limitador. Não vemos
atrelado ao assistencialismo a colocação ou recolocação profissional, e a
formação efetiva aliada ao encaminhamento para o mercado de trabalho, que posso
lhes afiançar estar carente de mão-de-obra.
O que me motivou a
escrever este texto foram também os últimos acontecimentos midiatizados, servindo
de estopim para detonar algo que já me era latente. Pude acompanhar na mídia
impressa e digital, após o último escândalo envolvendo o eterno presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, várias manifestações de apreço e apoio à sua irretocável
figura. Algumas pessoas se armando de toda indignação e ferocidade, e saindo em
defesa da honra do ex-presidente, novamente acusando tudo e todos, talvez até a
bíblia, de estarem errados ao citar o nome do ex-metalúrgico, envolvendo-o em
mais um escândalo do qual ele nada sabia.
Trago a reflexão sobre
a “síndrome de vira-lata” porque percebo neste tipo de manifestação, onde o
objeto de devoção se torna impossível de ser arrolado em imundas atitudes
humanas como corrupção, traição, entre outras tantas malfeitorias, uma
aproximação do radicalismo ideológico/religioso que levou o mundo para quase
todas as guerras e genocídios das quais temos notícias. Não acredito que chega
a tanto, mas reforço minha tese observando a forma como essas pessoas reagem, e
o quanto são gratas e idolatram alguém que nada fez se não sua obrigação!
Exatamente, nenhum
político que cumpra com suas obrigações pertinentes ao cargo ocupado, seja
honesto, e neste caso falo dos que realmente são honestos, atue com diligência,
cuide dos necessitados e promova o crescimento de sua cidade, estado ou país
está fazendo algo que não lhe coubesse ao assumir a cadeira. Essa síndrome de
vira-lata é que nos faz aceitar todas as desgraças proporcionadas pelos atores
políticos, desde que tenhamos comida, abrigo e afago. Nossa visão do serviço
público e da atuação dos políticos nas gestões públicas é tão distorcida, que
já nos acostumamos com a sujeira e as barbaridades cometidas por eles, e quando
sentimos a falsa impressão de que este ou aquele político nos está fazendo o
bem, e nisso sendo diferente dos que entendemos como “a regra”, passamos a
endeusá-lo e considerá-lo acima do bem e do mal já que, afinal, está nos permitindo
saciar algumas demandas.
Caro leitor, político é
funcionário público pago com seu dinheiro. Ser honesto e digno não é qualidade,
mas sim requisito básico para quem se propõe a gerir ou legislar pelo povo. Não
podemos, simplesmente por termos recebido alguns benefícios deste ou daquele
político, aceitar tudo de errado que por ventura ele tenha realizado ou assentido
com sua omissão.
Não é possível que,
após tantos escândalos, parte de nossa população ainda atue como certos “fiéis”
que não conseguem enxergar o homem por baixo da faixa (e olha que nem existe
mais esta faixa!) e ainda desconsiderem a possibilidade de investigar este ou
aquele pretenso salvador da pátria. Não pré-julgo ninguém, apenas manifesto meu
desejo de que os fatos sejam averiguados, independente de quem deverá ser inquerido.
Não podemos continuar aceitando pessoas que se julgam acima da lei, e mais
ainda nós não podemos julgá-las acima da lei.
Toda benfeitoria que
qualquer ator político tenha realizado durante seu mandato, toda conduta
ilibada e livre de sujeiras e tramoias não deve ser exaltada como a coisa mais incomum,
pois deveriam ser pré-requisitos para estas pessoas estarem onde estão. Sei que
neste momento alguns leitores estão pensando: “mas não é assim que as coisas
funcionam!”. E nunca será, se continuarmos como os vira-latas que já nos
consideram, e continuarmos revirando o lixo apenas atrás de comida.
Marcos Marinho
Professor e consultor político
Twitter:
@mmarinhomkt
Contato:
marcos@mmarinhomkt.com.br
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